Gás Lacrimogêneo, Balas de Borracha...

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domingo, 5 de outubro de 2008

AS TEORIAS PEDAGÓGICAS INOVADORAS OU DIFERENCIADAS E OS LIMITES DA TEORIA DIDÁTICA NO ENFRENTAMENTO ÀS CRISES EDUCACIONAIS


Introdução

Um dos grandes problemas quando analisamos a bibliografia dos concursos públicos na educação e que se coloca com freqüência, se refere ao fato da possibilidade de se fazer um estudo que ao mesmo tempo entenda e esclareça as linhas gerais do pensamento do autor e simultaneamente desenvolva os limites da referida teoria. Em outras palavras, devemos responder se é possível fazer uma análise crítica das obras solicitadas. A alegação mais freqüente é que a critica pode prejudicar o candidato na hora da prova.

Particularmente não concordo com esta visão. Nesse caso ou a pessoa critica sem dominar o conteúdo criticado, ou desenvolve uma crítica insuficiente o que leva ao mesmo resultado. Via de regra quem desenvolve uma análise crítica acaba indo bem na prova, pois a criticidade pressupõe o domínio da temática em questão o que facilita a sua compreensão, favorecendo o desempenho em qualquer atividade.


A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS:

UM PROBLEMA DA CIÊNCIA DIDÁTICO/ PEDAGÓGICA

O grande dilema colocado para os educadores de uma forma geral diz respeito à aprendizagem dos alunos. Ou colocando de uma outra forma, por que vários alunos aprendem os conteúdos propostos e outros não? Como se efetiva o ato de conhecer no interior da escola? Qual o papel das escolas na atualidade?

Para responder estas grandes indagações vejamos como alguns pensadores interpretaram estes problemas.

De acordo com Jean Piaget, líder da Escola de Genebra, a inteligência (conhecimento) é o resultado da permanente interação entre a bagagem genética carregada pelo indivíduo e as circunstâncias peculiares pertinentes ao meio social ao qual o indivíduo encontra-se submetido - o que, por sua vez, devido à interação de inúmeros fatores, irá proporcionar um maior ou menor grau de desenvolvimento de suas potencialidades.

Desta forma, segundo esta linha de raciocínio, a inteligência não seria por si inata, tampouco repentinamente adquirida, mas sim um processo lento e contínuo de construção, evidenciado pelos "gradativos insights" gerados pela permanente interação do indivíduo com o meio social dentro do qual está circunstancialmente inserido.

Trilhando o mesmo caminho de Sigmund Freud, as investigações de Jean Piaget levaram-no a crer que, ao nascer, toda criança encontra-se em um estado primordial de indiscriminação entre si mesma e a realidade que a cerca – e é justamente a partir desse estado primordial de adualismo infantil que todo desenvolvimento posterior se fundamentará.

Assim, para que sua teoria seja didaticamente compreensível, Piaget divide o desenvolvimento cognitivo do sujeito - da criança ao adolescente - em quatro estágios gradativos, respectivamente sintetizados pelas informações abaixo:

Estrutura:

ETAPA (OU FASE) DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

(FAIXA ETÁRIA) CARACTERÍSTICAS


• Etapa (1): SENSÓRIO-MOTOR (0 a 2 anos) - A criança ainda não interiorizou a representação simbólica de seus atos ou dos elementos que a cerca. Desenha rabiscos, onde evidencia trabalhar apenas a motricidade, sem maior compreensão em relação a representações simbólicas que compõem a realidade dentro da qual está inserida.

É egocêntrica (assim o será, normalmente, até os 6-7 anos). Não domina ainda efetivamente a comunicação.


• Etapa (2): PRÉ-OPERATÓRIA (2 aos 7-8 anos) - É a fase em que começa a se desenvolver alguma representação ou simbolização da realidade, ou seja, a construção de uma distinção mais nítida entre os “significantes” (desenho, imagem mental, jogos, palavras) e seus respectivos “significados” (situação evocada, objeto representado). Nesta fase, a criança já começa a dominar a linguagem mais efetivamente.


• Etapa (3): OPERATÓRIA-CONCRETA (7-8 aos 11-12 anos) - Na fase anterior, a criança começou a desenvolver a capacidade de interiorizar o significado psicológicos da realidade que a cerca, estabelecendo as primeiras importantes relações entre significante e significado. Porém, este estágio é marcado pelo desenvolvimento da capacidade de categorizar e quantificar objetos, acontecimentos e ações.

A criança adquire as primeiras noções de conjunto, ou seja, a capacidade de organizar os objetos que a rodeiam em categorias lógicas universais: o lápis passa a ser o conjunto dos lápis existentes, e não o lápis do papai, ou o do seu próprio estojo


• Etapa (4): HIPOTÉTICO-DEDUTIVAS (11-12 aos 15 anos) - Aqui, nesta fase, nasce o pensamento abstrato, que independe do concreto. O pré-adolescente já é capaz de “ler nas entrelinhas”, interpretar e, baseado num conjunto de informações, concluir algo lógico sobre “aquilo que não foi dito”. Um exemplo simples de entender é o que se segue: Se A=B e B=C; portanto: a criança que já possui o raciocínio desenvolvido para este estágio, facilmente responderá: A=C.


Resumidamente, os níveis de inteligência observados por Piaget constituem um permanente, extenso e gradativo processo de construção interacionista da criança com seu meio, onde cada um dos estágios determina um determinado nível de capacidade cognitiva adquirida (conquistada) pelo indivíduo que o permite melhor interagir - racional e afetivamente - com seu meio, estando mais apto para apreender mais efetivamente as características dos objetos da realidade que o cerca.


Outro pensador que ocupou-se desse problema foi o psicólogo russo Liev Vigostski cuja perspectiva foi chamada de histórico-cultural. Vigotski (1999) destaca o caráter mediado como uma das características que demarcam a especificidade da atividade humana. Segundo o autor (1998, p. 94), todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem em cena duas vezes: primeiro no nível social, e, depois, no nível individual: primeiro entre pessoas, (como uma categoria interpsicológica) e, depois, no interior da criança (como categoria intrapsicológica).

O processo que possibilita “a reconstrução interna de uma operação externa” Vigotski (1999, p. 74) denomina de internalização. Esta consiste na apropriação, pelo indivíduo, das produções culturais socialmente construídas ao longo da história da humanidade, presentes nos signos. De acordo com Leontiev (1978, p. 320), a apropriação é “o processo que tem por resultado a reprodução pelo indivíduo de caracteres, faculdades e modos de comportamento formados historicamente”. É a partir desta conversão das funções externas em meios de regulação interna que o sujeito se constitui.

É fundamental destacar que a primeira contribuição de caráter científico nesse campo foi desenvolvida por Karl Marx e Friederich Engels. Na Ideologia Alemã esses autores desenvolveram a concepção de que as idéias são construídas a partir das relações dos homens com o meio natural e também entre os próprios homens. Ou seja, ao produzir e reproduzir a sua existência o homem produziu a sua forma de pensar. Em outra obra “Quota Parte do Trabalho na Hominização do Macaco”, Engels descreve gradativamente como o homem foi se construindo historicamente através do trabalho. O ato de trabalhar é uma conseqüência das necessidades humanas. Ele contém em si um planejamento, uma pré-concepção, mais contém também uma finalidade, um objetivo.


Seguindo esse raciocínio teríamos que na sala de aula o conhecimento se efetiva no aluno a partir da sua relação com o professor e com os demais colegas de turma. Esse processo que nós consideramos APREENSÃO DO CONHECIMENTO, foi convertido pelos teóricos da pedagogia, vinculados a psicopedagogia em COMPETÊNCIAS e HABILIDADES.

Essa teoria coloca em xeque inclusive o papel da escola. No passado, o papel oficial destinado à escola era formar para o trabalho. Essa concepção estava de acordo com um período em que era necessário formar mão de obra em abundância para trabalhar nas grandes fábricas ou se constituir em exército de reserva. Essa formação não requeria grandes elaborações teóricas, exigia-se apenas o domínio da leitura e das quatro operações matemáticas. Na atualidade dizem estes teóricos, vivemos a época da informação, marcada por mudanças constantes o que requer a capacidade do “saber fazer”, para agir com sucesso em um mundo cuja chave é a competição e o mercado é o regulador implacável com quem não se atualiza. Portanto, o papel da escola hoje é desenvolver competências e habilidades nos alunos.

Nesse sentido é necessário superar a simples transmissão de conhecimentos estanques, contidos em livros didáticos ou textos que de nada servem para o aluno, é necessário que a escola proporcione o aprendizado que será útil para o aluno no seu cotidiano. Em outras palavras a escola deve orientar-se pelo pragmatismo, expressado nas competências. Estas, do ponto de vista teórico seriam a capacidade individual de mobilizar recursos para atuar com sucesso diante dos problemas da vida. Em outras palavras competência é o conjunto de habilidades necessárias para que seja executada uma operação. Por exemplo: o ato de dirigir um veiculo, ou de operar um computador, exige um conjunto de habilidades específicas, que atuando sincronizadas formariam a competência de dirigir ou de operar o equipamento de informática.

AS COMPETÊNCIAS EXIGIDAS PARA O PROFESSOR EXERCER A SUA PROFISSÃO

OU

AS DEZ COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR NO SÉCULO XXI



A Profissão docente é chamada de O OFÍCIO DE PROFESSOR, o qual deve ser focado em uma prática reflexiva e na profissionalização docente. O autor propõe o trabalho em equipe e em projetos, adotando a autonomia e a responsabilidade crescentes, tendo como base, pedagogias diferenciadas, centralizadas em dispositivos e em situações de aprendizagem, todas direcionadas à sensibilização, ao saber. PROPOSTAS mais concretas, através de um inventário das competências que possam contribuir para delinear um roteiro da atividade docente. O guia é um referencial de competências adotado em Genebra, em 1996, São 50 enunciados, reagrupados em 10 competências para uma reflexão das competências profissionais, privilegiando aquelas que emergem atualmente, ou seja, propostas para uma futura representação desejável do ofício de professor.



O QUE SE ESPERA DO PROFESSOR?



Tal reflexão se faz necessária, ao se considerar o momento de transição e de crise das finanças públicas, bem como, das finalidades da escola. Assim, tendo em vista a variedade de caminhos e a dificuldade de consenso, coloca que o professor, no mínimo, deve dominar os saberes a serem ensinados, ser capaz de dar aulas, de administrar uma turma e de avaliar.

Ressalta, todavia, a urgência de novas competências (ligadas ao trabalho com outros profissionais ou à evolução das didáticas) ou para o reforço de competências reconhecidas, como: heterogeneidade e evolução de programas, traduzindo-se hoje em falares correntes de tratamento das diferenças, avaliação formativa, situações didáticas.

Estas necessidades tornam-se marcantes devido ao fato das sociedades se transformarem, fazerem-se e desfazerem-se. As tecnologias mudam o trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento.


As desigualdades deslocam-se, agravam-se e recriam-se em novos territórios. Os atores estão ligados a múltiplos campos sociais, a modernidade não permite a ninguém se proteger das contradições do mundo.

Caminhos apontados por Perrenoud:


Reforçar a preparação docente para uma prática reflexiva;

Para a inovação e a cooperação;

Favorecer uma relação menos temerosa e individualista com a sociedade.

Se os professores não chegarem a ser os intelectuais, no sentido estrito do termo, serão ao menos os mediadores e intérpretes ativos das culturas, dos valores e do saber em transformação. Se não se perceberem como depositários da tradição ou precussores do futuro, não saberão desempenhar esse papel por si mesmos.

EIXOS PARA UMA RENOVAÇÃO ESCOLAR

- Individualizar e diversificar os percursos de formação;

- Introduzir ciclos de aprendizagem;

- Diferenciar a pedagogia;

- Direcionar-se para uma avaliação mais formativa do que normativa;

- Conduzir projetos de estabelecimentos;

- Desenvolver o trabalho em equipe docente e responsabilizar-se coletivamente pelos alunos;

- Colocar a criança no centro da ação pedagógica;

- Recorrer aos métodos ativos;

- Recorrer aos procedimentos de projeto;

- Recorrer ao trabalho por problemas abertos e por situações-problema;

- Desenvolver as competências e a transferência de conhecimentos;

- Educar para a cidadania.

Para a concretização de tais itens, o autor propõe a apreensão do movimento da profissão, através de dez grandes competências:

Observa-se que nesta obra o autor desenvolve um conjunto de propostas, todas focadas na prática educativa do professor, fazendo um verdadeiro chamado para que os docentes assumam uma postura didático/pedagógica diferente. O problema central é a não vinculação deste tema relacionado à formação docente com as questões estruturais da educação como a falta de estrutura de trabalho, a desestruturação da carreira, os baixos salários, as condições precárias de trabalho entre outros problemas enfrentados pelo professor. Sem que estas questões tenham o devido tratamento, podemos elaborar as melhores teorias pedagógicas que estas por si só não darão conta do conjunto de contradições enfrentadas hoje pela escola. Quanto mais teorias importadas, que servem muito mais aos propósitos das políticas oficiais, do que a buscar efetivamente contribuírem para um salto de qualidade na educação como um todo. Somente com participação, democratização das instâncias escolares e, sobretudo, com muita luta é que conseguiremos avançar em direção ao nosso objetivo maior. Conquistarmos uma escola que seja um espaço impulsionador da formação humana plena.


Síntese elaborada pelo professor

Paulo Neves


quarta-feira, 21 de maio de 2008

A GEOGRAFIA INSTRUMENTALIZADA PELO PROJETO DE EDUCAÇÃO NEOLIBERAL

(Crítica à Proposta Curricular para o Ensino de Geografia Elaborada pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo 2008)

“O objetivo central dos que lutam contra a sociedade mercantil,

a alienação e a intolerância é a emancipação humana”

(Istvan Mészários – A Educação para além do capital).


O ponto de partida para a análise da proposta curricular no que tange a disciplina de geografia, elaborada pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo no ano de 2008, toma como referência a escola e a educação descritas na mesma. Em primeiro lugar a proposta ignora totalmente a realidade na qual estão inseridas nossas escolas, a grande maioria delas imersas nas periferias urbanas do Estado de São Paulo, desaparelhadas e com gigantescos problemas de infra-estrutura física e pedagógica, fruto do descaso dos sucessivos governos do PSDB, que a própria Secretária da Educação apontou em entrevistas recentes a diversos órgãos da grande imprensa e que por motivos óbvios recusou-se a responsabilizá-los. Numa atitude diferente apressou-se em jogar sobre os ombros dos professores os sucessivos fracassos educacionais dos alunos detectados pelas diversas avaliações institucionais, esquecendo-se de que os mesmos, em que pese os limites dessas avaliações externas, são o resultado de quase treze anos da desastrosa política educacional tucana.

Uma proposta curricular deveria levar em consideração a escola, os professores, os alunos, os funcionários e toda a comunidade escolar. Nesse sentido é sempre importante dizer que os teóricos da proposta na qualidade de atores vinculados aos gabinetes da Secretaria de Educação ou dos meios acadêmicos universitários, ou desconhecem o dia a dia da rede, ou deliberadamente para atender as políticas governamentais de inspiração mercadológica pretendem enquadrar os profissionais que atuam na educação básica aos propósitos mercantis, sem contudo, resolver o problema central da educação hoje, diga-se de passagem de difícil solução, que é proporcionar aprendizagem de fato a toda uma geração de alunos mal formados e semi analfabetos.

A imensa maioria dos professores da educação básica em São Paulo, em virtude dos sucessivos anos de salários arrochados e sem perspectiva de progressão na carreira do magistério, posto que praticamente inexiste plano de carreira nessa rede pública desde 1997, teve que optar por trabalhar em uma segunda rede municipal, particular ou mesmo estadual, para manter o mínimo de condições de sobrevivência. Nessa realidade muitos trabalham das 7 às 23 horas por dia, tendo que andar mais de 20 quilômetros entre uma escola e outra, não dispondo de tempo de preparar aula, ou de analisar os diversos instrumentos avaliativos o que só é possível nos finais de semana. Por atuar em ambientes escolares hostis: salas superlotadas, mobiliários inadequados, condições estruturais depredadas, o seu grau de stress é elevadíssimo, o que leva milhares de professores a serem obrigados a trabalharem doentes, ou se submeterem ao humor dos peritos do departamento médico para que possam conseguir licença médica, o que atualmente é praticamente impossível, dado que este segmento do funcionalismo tem sido perseguido pelo “SNI” do governo Serra. É uma categoria extremamente pauperizada em decorrência de décadas de arrocho salarial.

É importante lembrar também que o resultado da política governamental a partir da década de 1990 que teve como base central a elevação das taxas de desemprego, quer pela abertura indiscriminada do mercado, quer pela privatização desenfreada, desestruturou milhões de famílias nos país, deixando toda uma geração de jovens sem referências familiares, sem perspectiva de emprego e sem alternativa de acesso a cultura e ao laser. Nesse contexto muitos vêem a escola como mais um espaço de sociabilização, suscetível a todo tipo de atividade, inclusive as ilícitas. Nesse contexto têm aumentado os casos de violência contra professores e alunos em praticamente todas as regiões do Estado de São Paulo.

Uma segunda incoerência do embasamento da referida proposta curricular, deixa latente a falta de conexão entre a teoria elaborada e a realidade, no subitem “Prioridade para a competência da leitura e escrita”, destacamos o texto abaixo:

“A ampliação das capacidades de representação, comunicação e expressão está articulada ao domínio não apenas da língua mas de todas as outras linguagens e, principalmente, ao repertório cultural de cada indivíduo e de seu grupo social, que a elas dá sentido. A escola é o espaço em que ocorre a transmissão, entre as gerações, do ativo cultural da humanidade, seja artístico e literário, histórico e social, seja científico e tecnológico. Em cada uma dessas áreas, as linguagens são essenciais”.

De fato o nosso grande desafio é despertar nos nossos alunos o gosto pela leitura, o que só é possível a partir da criação do hábito de ler sendo que o primeiro passo é propiciar a eles o acesso aos livros. “Ler, escrever e falar em público é tarefa ontológica, intrínseca, eterna da escola, de todos nós educadores.”¹ Muito bem, aqui começa o primeiro grande obstáculo para todos nós educadores. Recentemente a Subsede da APEOESP de São Bernardo do Campo fez um levantamento com os REs das escolas da nossa região, onde constatamos que em mais de 70% das escolas não existe biblioteca funcionando. O que é chamado de biblioteca é uma sala fechada cheia de livros. As escolas não têm bibliotecários. Sem gente para organizar e controlar, o acervo já limitado é entregue à responsabilidade de traças, aranhas e outros insetos. Desta forma o “Estado mínimo” reforça sua contribuição para aumentar o contingente de não leitores.

Com referência a proposta da geografia em si, analisamos o seu embasamento a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais aprovados na segunda metade da década de 1990, quando para desviar o foco dos verdadeiros problemas educacionais, os formuladores (técnicos do MEC) difundiram a visão de que bastava a adoção de modificações didáticas na prática docente para melhorar a educação. Sobre o seu caráter Kaercher no artigo: “PCN´S: FUTEBOLISTAS E PADRES SE ENCONTRAM NUM BRASIL QUE NÃO CONHECEMOS” in Dossiê os PCNs em Discussão, Revista da AGB, 1997, p. 33, escreveu: “Os PCN´s, portanto, são, a meu ver, mais um belo texto que ficará inócuo nas prateleiras no que diz respeito a suas boas intenções. Agora, quanto as intenções mais escondidas, qual seja, padronizar e controlar a pequena autonomia dos professores, estas serão atingidas pois o professorado não está apropriado desta questão e terá, como alternativa, a simples reprodução de um documento que ele não entendeu (ou sequer leu). Aliada a uma inevitável padronização do livro didático – provável corolário dos PCN´s – teremos uma escola única tratando como iguais pessoas socialmente muito diferentes. Será sem dúvida, um instrumento poderoso das autoridades federais no controle do professor. Quem não seguir os parâmetros estará ´fugindo de suas obrigações´e será tido como profissional ´rebelde´. Essa homogeinização, ainda que travestida de um discurso progressista, ´de esquerda´ tem características autoritárias bem claras”.

Após mais de dez anos da sua aplicabilidade, os resultados que temos é uma geração de adolescentes e jovens excluídos da escola ou semi-analfabetos. A insistência de que basta apenas promover modificações didáticas sem tocar nas condições estruturais das escolas e sem melhorar as condições de salário e de trabalho dos docentes, levou ao extremismo de secundarizar ou em alguns casos desprezar o papel dos conteúdos disciplinares: uma espécie de “pedagogicídio”, qual seja, o papel da escola é desenvolver “competências” e “habilidades” nos alunos. A simples transposição de uma teoria importada da Europa, desfocada da realidade brasileira. Um discurso pretensamente avançado mais que tem no seu âmago a instrumentalização servindo aos propósitos de uma política educacional conectada com os interesses do enxugamento da máquina estatal. Esse projeto agora ganhou os contornos da verticalização, homogeinização, sendo elaborado sem a participação dos seus executores os professores num ato extremamente anti-democrático: um profundo ataque contra a o direito à liberdade de cátedra dos docentes.

Finalmente os eixos estruturadores da proposta em si: território, paisagem, lugar e educação cartográfica, bem como os objetivos esperados dos alunos, são apresentados a partir de enfoque cultural, ao qual as demais categorias estão subordinadas. Nessa concepção os alunos devem adquirir uma consciência do mundo para agir no mesmo positivamente, como o que está prescrito no último dos objetivos esperados:

“Utilizar os conhecimentos geográficos para agir de forma ética e solidária, promovendo a consciência ambiental e o

respeito à igualdade e diversidade entre todos os povos, todas as culturas e todos os indivíduos”.



Ao introduzir o estudo da geografia a partir dos ritmos e ciclos da natureza e ao subordinar a espacialidade às relações culturais a partir da aparência dos fenômenos, desconsidera-se que o espaço é produto das relações estabelecidas pelas classes sociais, o que em escala planetária dinamiza-se por aquilo que Milton Santos definiu como dinâmica da globalização: “transformar todo mundo em consumidor, usuário e, se possível em coisa, para mais facilmente se inclinar diante de soluções anti-humanas” (Milton Santos – Folha de São Paulo 14/10/96).

A proposta curricular da Secretaria se insere no rol de políticas desse governo conectadas com uma concepção educacional autoritária que pretende transformar professores em meros executores de suas propostas e os alunos em números que devem ser enquadrados em parâmetros mínimos para melhorar as estatísticas servindo aos seus propósitos que é atingir “qualidade” até mesmo de forma maquiada para ser utilizada para fins políticos.

Os professores devem resistir contra este projeto político diversificando suas aulas no sentido de conscientizar nossos alunos de que a melhoria da escola é o objetivo central da nossa luta e que a mesma tem como eixo central o combate aos ataques que o governo impõe à escola pública, inclusive pretendendo privatizá-la, o que já está ocorrendo de forma sutil através de programas de parcerias para cursos profissionalizantes. Nossa luta vai continuar.


Paulo Neves

Secretário de Assuntos Educacionais da APEOESP

Professor de Geografia da rede pública estadual
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¹ KAERCHER, Nestor André. Ler e escrever a geografia para dizer a sua palavra e construir o seu espaço. In Ler e Escrever compromisso


de todas as áreas. Iara Bitencourt Neves e outros organizadores, 5ª e.d. UFRGS Editora.2003.